Coisas daqui e de Ultramar

Dois fatos importantes da semana passada merecem destaque e trago-os à baila, por receio que se diluam em outros de maior gravidade. No Brasil, a situação é tensa: parece que entramos na terceira fase da Intentona de Golpe de Estado. No Congresso, a extrema direita e parte da direita juntaram-se ao “Mercado”, em mais uma tentativa de Golpe, buscando encurralar o Executivo e o STF por via das chamadas “pautas bombas” e em nome da “tal segurança jurídica”. Foi vergonhoso ver o Presidente do Congresso convocar coletiva de imprensa e afirmar que enfrentaria o “insulto ao Congresso” praticado pelo Executivo com a ajuda do STF, usando um agravo contra a liminar expedida pelo Ministro Cristiano Zanin, que suspendeu um ato da casa. Por trás do Presidente do Congresso, estavam os parlamentares que defendem o impeachment de Ministros do STF. Tudo isso para salvar a lei que prorrogou os privilégios de 17 setores da economia e Municípios, que não querem pagar impostos. Que tristeza, que vergonha! Os empresários brasileiros alardeiam que sustentam a Nação com “os impostos que pagam” e dizem que estes são os mais altos do mundo. O Brasil está entre os países onde o imposto é alto, mas a sonegação dos empresários é, também, incomensurável; o que é mais grave, não dizem que eles são, apenas, fiéis depositários dos impostos pagos por nós consumidores de bens, tangíveis ou intangíveis. Quando não sonegam, apenas, fazem o favor de entregá-los ao Estado para cobrir os gastos necessários. Portanto, quando sonegam ou corrompem, furtam o dinheiro do povo e golpeiam a democracia. O Roubo dos poderosos é antigo, foi uma herança e o Padre Antônio Vieira já dizia no seu Sermão do Bom Ladrão, proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), em 1655, perante Dom João IV e sua Corte: “O que posso acrescentar pela experiência que tenho é que não só do Cabo da Boa Esperança para lá, mas também da parte de aquém, se usa a mesma conjugação. Conjugam por todos os modos o verbo rapio…Tanto que lá chegam começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos, é que lhes apontem e mostrem os caminhos onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo imperativo, porque como têm o mero e misto império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo mandativo, porque aceitam quantos lhes mandam; e para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos. Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem; e gabando as coisas desejadas aos donos delas, por cortesia, sem vontade as fazem suas; Furtam pelo modo conjuntivo, porque juntam o seu pouco cabedal com o daqueles que desejam muito; e basta só que se ajuntem a sua graça, para serem, quando menos, meeiros da ganância. Furtam pelo modo permissivo, porque permitem que outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo infinitivo, porque não tem fim o furtar com o fim do governo”. Portanto, a arte de furtar veio no saco cultural da colonização, que nos trouxe, também: a escravidão indígena e a África inteira escravizada; a corrupção e o gosto pela violência; o preconceito e a desigualdade; a cruz, o canhão e a espada; a língua imposta, que se sobrepujou às demais; a poesia e a arte; e um modo de ser, que esconde o mal feito e reivindica a decência, hoje, a cara perfeita de nossas elites, “Santos de Pau Oco”.

De Ultramar, comemorando a Revolução dos Cravos (24 de abril), o Senhor Presidente da República de Portugal, num gesto honroso e sincero, pede desculpas pela violência e pelos crimes cometidos por Portugal contra os povos de suas ex-Colônias e fala em reparação. É claro que será difícil pagar essa conta. Até porque é impagável. Da minha parte, sentir-me-ia satisfeito com algumas coisas: que Portugal contivesse a estupidez da sua extrema direita; que tratasse com dignidade os imigrantes de todos os naipes; que reescrevesse a sua história, para que nela coubesse o sofrimento dos colonizados. Não desejamos benesses: Caravelas carregadas com o legítimo Bacalhau Imperial do Porto, Vinhos Portugueses Varietais e Pastéis de Belém (ou de Nata) para lauta sobremesa. O gesto presidencial é simpático, mas não sara as feridas ainda presentes nos sobreviventes dessas viagens coloniais, que com “armas e barões assinalados…passaram além da Taprobana”(Camões), deixando um lastro de cultura, de destruição, de dor e de fado!


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