Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
Neste espaço, que me é tão gentilmente cedido a
cada final de semana, já tratei de questões relativas à maneira nem sempre
competente e confiável como deveria ser de como se trata da saúde das pessoas
por este canto do Continente. Volto ao tema descumprindo compromisso que
assumira comigo mesmo de não mais falar do que se faz óbvio por tantas vezes
repetido, e até aprimorado, no comportamento de alguns muitos que, em
diferentes níveis de atividade, responsabilizam-se por contribuir para diminuir
dores e sofrimentos de pessoas atingidas por doenças de diferentes origens e
gravidade variada. Perdoem-me os poucos que me leem, mas o silêncio nem sempre
é arma de combate.
Durante a pandemia de Covid que tanto assustou o mundo, que contribuiu para modificar comportamentos e regras de convivência, que impôs recolhimento domiciliar, que suspendeu aulas, festas, espetáculos teatrais e que impôs tanta dor, tanto sofrimento, como parece acontecer nas
guerras que a estupidez humana costuma engendrar para satisfação estranha de
muito poucos e luto de tantas famílias, na pandemia, repito, o tema era
recorrente a cada dia, e assistir ao noticiário das televisões era reforçar, a
toda hora, o medo, a angústia, a ansiedade, a dor da alma, a perturbação do
espírito, como se tudo estivesse prestes a terminar.
Foi tempo de trevas para a ciência e o avanço da
doença lotava hospitais, clínicas e todas as demais casas de atendimento, com
suas unidades de tratamento intensivo, exauria forças de médicos, enfermeiros e
auxiliares e formava filas intermináveis de cadáveres a exigir trabalho exaustivo
de coveiros e até a impedir o prantear de familiares no instante do adeus
final.
A contribuir com o caos que só se agravava a cada
dia, famigeradas notícias falsas eramtransmitidas por diferentes caminhos que a
tecnologia moderna de comunicação entre pessoas propicia, ao tempo em que
também perturbava autoridades, por humanas certamente, algumas, outras por
encontrarem em tempo de tanta dor oportunidade para a prática de politicagem
reprovável, absurda, que parecia servir apenas para aumentar a perturbação e o clamor
social.
Falei dessas coisas na época. Com o título de “Trapalhadas na Pandemia”, por exemplo, registrei
a superlotação dos hospitais, mundo afora, a falta de materiais, instrumentos e
equipamentos apropriados (sendo de lembrar que no Amazonas, por exemplo,
somente em Manaus havia unidade ou centro de tratamento intensivo, nenhuma em
qualquer dos outros 61 municípios), carência de pessoal especializado – embora
seja de destacar, agora e sempre, a extraordinária dedicação de todos os
envolvidos nos lugares de prestação dos serviços, desde médicos até bombeiros e
maqueiros, que trabalharam como nunca em busca de salvar vidas – mas não era
exatamente isso que acontecia com algumas autoridades, maiores ou menores em importância,
tanto que cheguei, em outro artigo, a proclamar o 14 de janeiro – que dá nome a
bairro importante desta Cidade, inclusive por ser o berço do samba daqui – como
Dia de Luto, porque em Manaus faltou oxigênio em hospitais, casas e centros de saúde, talvez por
incúria, desleixo, desencontro, incompetência, ou qualquer outro termo com que
se queira adjetivar, de quem tinha o dever de dirigir, de coordenar, de
governar, e por causa disso milhares de pessoas morreram à míngua do sagrado
direito de respirar.
Trocaram-se ministros, secretários, diretores, agentes públicos de diferentes níveishierárquicos, mas nesta cidade que já foi havida como a Paris dos Trópicos vidas foram
extintas por falta de oxigênio para pessoas internadas em hospitais da rede
pública de saúde.
Três anos depois, assisto a reportagem em canal de televisão, por quase 10 minutos,dando conta dereunião havida no comando do setor de saúde para programar ação de combate a
epidemia de Dengue, virose que nem é nova como foi a do desconhecido
Coronavirus, com a
utilização de vacinas que somente começarão a ser aplicadas em fevereiro, e ainda era 25 de janeiro.
Tomara que isso não venha a servir para confirmar tradição segundo a qual no
Brasil as coisas só acontecem depois do Carnaval. Daqui até lá, considerados os
números trazidos a público pela reportagem em questão, já serão contadas aos
milhares as pessoas atingidas por doença que se pode agravar provocando
hemorragia e conduzindo a óbito. É o chamado poder público insistindo na pouca
eficiência, gastando tempo e recursos no planejamento de ações
que, na hipótese em causa, deveriam estar prontas desde antes, eis que tão proclamado o
fato de ser o Brasil o melhor país do mundo em matéria de vacinação, tal a
qualidade do sistema já montado, com ou sem o velho Zé Gotinha.
No Distrito Federal já há decretação de emergência em saúde, sinais de alerta em outroslugares do País, o que faz presumir até a probabilidade de epidemia, a exigir, penso,
maior presteza nas atividades preventivas do Sistema, porque assim como quem
tem fome tem pressa, como dizia o saudoso Betinho, quem tem doença também
precisa ser atendido e tratado logo, enquanto há vida, e quem está ameaçado de
ter também precisa que a atenção preventiva não se demore, para não se
transformar em curativa. Os governos estaduais e municipais precisam realizar mais
eficientes campanhas de educação e de orientação da população, como já pedido pela
Ministra do setor, para cuja finalidade com certeza possuem recursos
orçamentários específicos.
A tudo isso ainda precisamos somar a tantas vezes proclamada demora no atendimentode pacientes pelo Sistema Único de Saúde, exemplo para o mundo, segundo dizem muitos, fazendo
com que o tempo médio de espera por uma consulta programada ultrapasse um
semestre. Mas é preciso destacar, também, que é o SUS quem garante a saúde de grande parte da
população.
Esse tema me veio à mesa também por fato narrado por pessoa de minha amizade nocorrer desta semana. Era uma segunda-feira, início de noite, quando, com respiração
dificultada e dor no tórax, procurou uma clínica da cidade para realizar, por orientação de
seu médico particular, o velho e cansado exame de raios-x, à compreensão de que
a tomografia demandaria de mais tempo para sustentar um diagnóstico. Tanto que
na requisição do exame havia a anotação de urgência.
Pois bem, preferindo não usar nem mesmo o suporte de seu plano de saúde, meu amigoresolveu pagar os reais cobrados para realização do exame e foi gentilmente informado de que dali
sairia levanto consigo as “chapas” que registrariam as imagens obtidas e que o
laudo estaria à sua disposição no início da manhã seguinte, eis que ali não se
encontrava o profissional da medicina de tanto incumbido.
Meu amigo mostrou a seu médico as imagens e foi convenientemente medicado, felizmente sem
nada de grave, ao que me disse, e deixou para a quinta-feira, pela manhã. A busca
do laudo que lhe fora prometido para o início da terça, até porque por isso
pagara a quando do exame. Para sua surpresa, recebeu a informação foi de que o
documento estaria disponível em cinco dias úteis contados do ato da radiografia. Talvez porque tenha procurado, acabou encontrando o documento na noite da 5ª feira que se seguiu, mesmo que
houvesse urgência registrada no pedido. Bom, felizmente nada havia de tão sério
com o paciente em questão, de pronto tratado, mas minhas pouquíssimas luzes no
assunto me autorizam refletir se tempo assim não pode bastar para o agravamento
de qualquer moléstia e até, quem sabe, o risco de morte. Afinal, há informações
de crescimento de casos de Covid 19 em Manaus.
Fico eu a peensar, então, que o profissional que jurou por Hipócrates dedicar-se à
análise de imagens para feitura de laudos que devem, ou podem, servir para
orientar diagnósticos e tratamentos não é convenientemente substituído na
clínica em plantões regulares por interesse de seu próprio empregador,
obrigando-se ao trabalho à distância mesmo quando teria direito a folga.
Isto tudo é urgência em saúde!