Por João Melo Farias
Ixé Tupinambarana
Em 1993 recebi o convite do poeta Fred Goes para visitar o grande Thiago de Mello na sua casa de barro, madeira e poemas às margem direita do Paraná do Ramos na sua querida cidade de Barreirinha.
Saímos de Parintins as 15:00 horas eu, Fred, sua esposa Léa Costa, o humorista que se iniciava Puqueca de Cáprio e chegamos a Barreirinha às 16:30, onde fomos recepcionados pelo casal Valdea Costa, irmã da Léa e seu esposo Afonso, conhecido também como Manivão. Dirigimo-nos para a casa do Thiago, que nos recebeu abraçando a todos e franqueou sua casa com grande ternura e carinho. Disponibilizou bebida e comida, além de sua prazeroso companhia.
As 21:00 horas, o poeta, já ligeiramente embriagadíssimo subiu a escadaria de madeira de sua residência, bateu sua aliança de ouro branco contra o copo de vinho tinto para chamar a atenção e anunciar:
Queridos amigos muito obrigado pela suas visitas, sinto-me lisonjeado pelas suas presenças, contudo, tenho que dormir cedo para acordar por volta de 4:00 horas para escrever um trabalho que tenho prazo para entregar; por esse motivo eu peço desculpas de vocês, vou deixá-los e façam da minha casa a sua casa. Muito obrigado.
E subiu para seus aposentos.
Fred Goes já tinha me alertado sobre o temperamento do poeta e considerei isso normal.
Mas sem o Thiago a festa não era mais a mesma. Por volta das 23:00 resolvemos migrar para a casa da Valdea Costa, cunhada de Fred, localizada quase no fim da cidade.
E lá fomos nós caminhando as 23:30 da noite pelas ruas desertas de Barreirinha, cheias de capim de quase um metro de altura. Naquele tempo o alcaide mandava calçar as ruas de cimento e seixos da seguinte forma: somente um lado da rua e a cada quinhentos metros mudava o calçamento para a outra metade da rua de forma que, com recursos para calçar um quilômetro ele calçava dois quilômetros. Mesmo que pela metade da rua era uma uma ideia inteligente e atendia aos anseios da população. Então, na parte descalçada da rua o capim crescia solto.
Para chegar a casa da cunhada tínhamos que andar quase toda a cidade. No meio do caminho tinha um bar aberto, onde compramos duas caixas de cervejas. Naquela época a caixa de cerveja vinha com 24 garrafas de 600 ml. E como já estávamos “altos” pela bebida tivemos dificuldade para carregá-las.
No caminho tinha um cemitério repleto de pés de cajueiros. Ao passar por seu portão surgiu um rapaz que se ofereceu para ajudar no carreto. Na altura dos acontecimentos foi a melhor coisa que podia nos ter acontecido. Estávamos na metade da caminhada ainda, portanto aceitamos de pronto. O homem estava pela casa dos 30/35 e colocou uma caixa sobre a outra e nos acompanhou como se tivesse sobre os ombros duas peças de isopor. Chegando a residência da cunhada colocamos as cervejas no freezer e iniciamos uma sessão de piadas e cantoria: uma piada contada pelo Puqueca e uma cantoria da Léa Costa ou do Fred. E assim varamos a noite, bebendo, cantando, se revezando na cozinha para preparar os tira-gostos de queijo, azeitona e calabresa.
As cinco da manhã todos nós adormecemos como que por encanto. Ninguém se deu conta de como adormeceu, cada um do seu jeito, onde estávamos. Ao acordar lá pelas 10:00 fomos nos recompondo. Após o asseio matinal e café da manhã demos falta do parceiro que carregara as cervejas e bebera o resto da noite com a gente.
Curioso, perguntei ao Afonso Manivão.
- Cadê o teu amigo? Eu não vi ele sair.
Afonso respondeu: – Ele não é meu amigo, eu nunca vi aquele rapaz. Nasci e cresci em Barreirinha mas não conheço aquele rapaz e olha que conheço muita gente. Não o conheço.
Mudei a prosa para o rumo da Valdea, residente como tabeliã de Barreirinha há mais de 20 anos na cidade. O que também negou de todas as formas conhecer o rapaz.
Puqueca foi logo fazendo uma graça: - Se não é amigo do Afonso e da Valdea, é do Fred com a Léa. Esta levantou-se:
- Me poupe, não tenho amigo que some na noite, disse em tom de brincadeira.
- Fred, então é teu amigo, conhecido ou teu colega? Perguntei.
Fred Goes questionou antes de responder. - Acho que é um índio lá do Andirá que trouxeste para Barreirinha.
E passou a fazer as perguntas. - Manivão, tu não o conheces. Valdea também não; Puqueca, tu conheces o rapaz?
- Não. Respondeu.
E dirigindo-se para mim perguntou: - E tu. Eu respondia também que não.
Fred continuo seu parlatório: - E ele se incorporou à gente em frente ao cemitério, não foi? Pois é, fiquei matutando, se ninguém aqui o conhece, acho que ele não é mais deste mundo. Nós bebemos a cantamos com uma visagem lá do Cemitério Parque dos Cajus.
E até hoje em minhas idas e vindas a cidade de Barreirinha, presto muito atenção quando passo no portão desse cemitério.