Peço permissão a você caro leitor, amiga leitora por começar essa crônica de forma escatológica, porém engraçada. Afinal de contas a homenageada merece. Copiei o título de uma canção de Rita Lee, que venho escutando desde sua partida na noite de 08/05. Fiz uma imersão na iconografia dessa mulher espetacular, efervescente, criativa e brilhante. A irreverência e genialidade de Rita foram capazes de escrever coisas incríveis de forma extremamente simples: “O caviar e o cozido/ buchada e o cabrito/ o cinzento e o colorido
A ditadura e o oprimido/ o prometido e não cumprido
E o programa do partido, tudo vira bosta……”
O vinho branco, a cachaça, o chope escuro/ o herói e o dedo-duro
O grafite lá no muro/ seu cartão e seu seguro
Quem cobrou ou pagou juro/ meu passado e meu futuro, tudo vira bosta”.
Mulher que mais vendeu discos na história da música brasileira, Rita Lee foi além de uma compositora revolucionária e de sucesso. Mutante desde o início da carreira, manteve sempre a coerência de uma personalidade transgressora, enfrentando a prisão na ditadura e todo tipo de caretice. Sua trajetória inspirou gerações de mulheres, o que não se esgota com sua morte, na noite de segunda-feira, aos 75 anos, em sua casa, em São Paulo. Letras de clássicos como “Agora só falta você”, “Ovelha negra” e “Lança perfume” são ícones da liberdade, enquanto incontáveis romances se embalaram com “Mania de você” ou “Baila comigo”. Precursora da igualdade de gênero, foi ela mesma um gênero único na cultura brasileira.
Rita Lee não foi apenas rock and roll, baladas, mas também literatura. A ex-Mutante foi uma escritora de sucesso. Ao todo, lançou 11 livros ao longo da vida: títulos infantis, contos, fotolivro, antologia de letras e até história em quadrinhos.
Nos últimos anos, longe do corre-corre dos palcos, Rita dedicou um bom tempo a escrever suas memórias. Fez questão que o livro fosse publicado em dois volumes. O primeiro, “Uma autobiografia”, saiu em 2016 (Globo Livros). Tive a oportunidade de estar presente no lançamento no dia 16 de novembro/16, na livraria Cultura, SP, e ganhar um carinhoso autógrafo. A própria artista determinou que a segunda parte da obra, “Outra autobiografia”, fosse lançada somente no próximo dia 22. Dia de Santa Rita, de quem era devota.
Em “Outra autobiografia”, Rita narra sua luta contra o câncer desde 2021, sem economizar na franqueza e no humor inusitado nem mesmo nos momentos mais difíceis que viveu durante o tratamento da doença, que lhe ceifaria a vida.
Rita abre o livro contando que o tumor foi descoberto por acaso, em abril de 2021, numa consulta em que tentava dar fim ao mal-estar após tomar a segunda dose da vacina contra a Covid. Durante sua Via Crusis, não escondeu nada de ninguém. Se deixou fotografar como um fiapo de gente, mas altiva.
Em sua trajetória, desafiou todo tipo de repressão. Foi amada pelos fãs e odiada por machistas, caretas e carolas. Cansada do papel de ovelha negra, a roqueira antecipou a aposentadoria. Deixou os palcos em 2012, e foi viver em seu sítio no interior de São Paulo. Vivia cercada de animais e plantas. Esotérica, tinha medo de avião, mas esperava a visita de um disco voador.
Rita Lee mostrou para a nova safra de cantoras brasileiras que, quem brilha com a bunda é vagalume. Ela, que tinha bunda tipo ‘pastel de vento’, esbanjou talento.
Rita partiu consagrada como ícone, e terá seu nome lembrado na história. Em sua autobiografia, a cantora escreveu que seu maior gol foi ter feito um monte de gente feliz e que, quando morresse, cantaria para Deus: “Obrigada, finalmente sedada”. Seu epitáfio, ela definiu, deveria ser o seguinte: “Ela não foi um bom exemplo, mas era gente boa”.
Rita Lee Jones cantou a alegria e leveza de viver, em sua forma mais simples e irreverente. Orra meu! Querida. Valeu, Rita, você fez me fez feliz. Você faz parte minha trilha sonora.