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Secas e Queimadas

Por: João Melo Farias

João Melo Farias Poeta e indigenista.

Secas e Queimadas

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As mudança climáticas representadas pelo El Niño e Lá Niña foram os responsáveis pela extinção de grandes culturas humanas como os Moches ou Mochicas na costa do Pacífico e a cultura Inca no alto dos montes andinos, presumivelmente, por falta de água.

Na amazônia já tivemos em várias oportunidades grandes agravos ambientais como a cheia de 1953 e 2014 e a seca deste ano. Os amazônidas apreenderam a conviver com as águas e com as secas, de nível médio. Agora essas secas monstras não estávamos acostumados, daí a grita por ajuda de todo tipo: água potável, cestas básicas, drenagem dos rios e transporte.

Contudo os prejuízos ambientais são de uma grandeza de molhar os olhos. As cenas de botos, peixes-bois e peixes de todos as espécies e tamanhos mortos por falta de oxigênio nas águas lamacentas e pela quentura das águas rasas. Os ribeirinhos catam peixes com as mãos e agradecem a Deus esta fartura, mas não podem deixar de antever que nesta secura os peixes adultos e miúdos que ainda iriam se reproduzir na próxima cheia morrem. Essa quebra do ecossistema terá um efeito terrível ano vindouro: o círculo reprodutivo foi interrompido. O rio secou, o fundo do rio aflorou trazendo a lama, as algas de água doce, tornando a água esverdeada e irrespirável para os peixes, por isso eles buscam águas limpas para respirar. Não as encontram, acham as mãos dos ribeirinhos que os levam para os seus moquens com os quais se banqueteiam. É a fartura do choro seguinte, pois essas águas sujas que matam todos os peixes, vão impedir a reprodução da vida fluvial pelo menos por um ano. A interrupção desse ciclo natural é muito perigoso e vai trazer fome às mesas ribeirinhas. O círculo reprodutivo dos peixes foi fortemente afetado.

Paralelo a maior seca do século na região amazônica ocorreram incêndios de toda ordem na floresta.
Por conta do meu mister, acompanhei as queimadas no curso médio do rio Andirá, terra indígena Andirá/Marau, município de Barreirinha, estado do Amazonas onde constatei que o povo indígena Saterê-Mawé tem noção do tamanho do prejuízo ambiental que as queimadas causam.

Além de perderem as roças de macaxeira, cará, abacaxi, cana de açúcar, café, abacate, abiu, melancia, maxixe, mandioca e centenas de pés de guaraná (planta sagrada para os Saterês) perderam os pomares nativos de uixi-liso, uixi-coroa, piquiá, ingás de todas as variedades, maracujá do mato, açaí, bacaba, tucumã, pupunha e etc que só se recuperarão com 6/8 anos de regeneração da floresta. Mas, a principal reclamação dos Saterês é a queima das formigas. Fiquei pasmo de ver que esse minúsculo animal, uma vez afetado, afeta a vida dos indígenas pois afeta profundamente a cadeia alimentar básica das matas. Com o fogo incontrolável os animais maiores como pacas, cutias, porcos do mato, capivaras e aves silvestres, ou morrem ou fogem para longe dessa quentura, como cantou o saudoso poeta parintinense Émerson Maia. As formigas não tem a mobilidade dos demais animais. Elas não conseguem correr e, portando, são queimadas. Mas o mais triste é quê o calor cozinha as pupas (ovos) ainda dentro dos ninhos cavados no chão, impedindo, a reprodução das mesmas.

Um ancião da aldeia Simão, Sr. Hilário Kapi, 60 anos me vaticinou com uma tristeza intraduzível na voz:

  • Sem formigas não teremos tatu, que delas se alimentam e nós deles; sem formigas e sem tatus e outras caças nas matas para prover de comida; e sem rocas (pois foram queimadas mais de 200 roças de toco) não teremos alimentação para celebrar a principal festa ritual do nosso povo Saterê-Mawe: a dança da tucandeira. Enquanto a floresta não se recuperar e nos prover de formigas e tudo o mais, não teremos como fazer o ritual da tucandeira.

Para quem não sabe a festa da tucandeira é um rito de passagem masculino (da adolescência para a vida adulta) e é o rito cultural mais importante do povo Saterê Mawé. Geralmente celebrado no final das colheitas das roças de farinha com seus subprodutos, que abastecidos de carne de caça pegos no supermercado da floresta, garantem a fartura e três ou quatro dias de festa.

Esse importante traço cultural do povo Saterê-Mawé, pela ausência de formigas, caças e farinha corre o risco de refração.

João Melo Farias
Ixé Tupinambarana

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