Em 1.980 o Festival Folclórico de Parintins se apresentava no estádio Tupy Cantanhede, sobre um imenso assoalho carinhosamente apelidado pelos parintinenses de Tabladão ou Tupyzão.
Na tarde havia a passagem de som, teste de luz, marcação dos pontos no tablado e os últimos preparativos para a apresentação dos bumbás Garantido e Caprichoso a noite.
Nessa tarde, o mestre Jair Mendes, ainda jovem, “pai dos movimentos do Festival moderno” como hoje se apresenta, levou consigo uma turma de curumins, entre eles o meu primo, Túlio Neto e seu sobrinho Gilvan Mendes para preparar a evolução da “cobra grande do Jair”, que crescia dois metros por ano, segundo os fãs de Jair Mendes nessa época do Festival. A marcação no chão do tablado era muito importante, pois estava programada a entrada da cobra e após, a mesma devoraria uma penca de curumins como prova da ferocidade do monstro mítico e esses meninos teriam que “vasar” pelo rabo da cobra em um alçapão feito no tablado de madeira, que o mestre Jair mandara fazer. Tudo combinado, tudo certo, voltaram-se para os outros afazeres da apresentação e deixaram o estádio.
Infelizmente, alguns brincantes do Contrário chegaram para fazer a passagem de som e acertos de luz. E viram o mestre Jair e sua curuminzada, naquela algazarra prontos a fazer uma apresentação bonita, criativa e impactante para dar mais uma vitória ao boi branco da Baixa do São José.
Ao pisarem no tabladão viram a boca do alçapão e não tiveram dúvidas: presumiram que o buraco serviria para dar sumiço nalguma coisa preparada pelo mestre Jair. E decidiram:
- Mãos à obra para sabotar “melar” a apresentação.
Nessa noite o Caprichoso se apresentaria por primeiro. Combinaram, então, mandar alguém na ferragem do Seo José Ferreira para comprar pregos tipo galeota de 5 polegadas. Um deles de encarregou de levar uma marreta de 5 quilos para bater nos pregos na tampa do alçapão. No momento em que a “Marujada de Guerra” (sinômino da bateria acústica do boi bumbá Caprichoso) entrasse no tablado.
E assim fizeram à noite. Quatro tocadores de tambores surdo se reuniram, fizeram uma roda ao redor do escape de madeira. A marreta veio dentro do capacete (coçar) de um tuxaua, que a passou para um outro brincante que, munido dos pregos enfiou quatro deles na madeira. Para não despertar suspeita da sabotagem as marretadas seguiram o mesmo ritmo dos tambores surdos. (Depoimento de um velho marujeiro dessa época, que pediu para não ter seu nome revelado).
Terminada a apresentação, saíram tranquilamente como se nada tivessem feito.
Após a limpeza do tablado chegou a vez do Garantido se apresentar. E que entrou no tabladão muito confiante no sucesso de sua apresentação. A cobra grande entrou e quem fazia a cênica era o próprio Jair, que foi o primeiro a ser devorado. Os meninos em seguida. E, já dentro da cobra, procuraram o buraco/alçapão para escapar, mas não o encontraram, pois estava pregado. Deram um jeito de se agasalhar no interior da cobra, mas como eram muitos meninos, segundo Túlio Neto e Gilvan Mendes, alguns começaram a passar mal e vomitar, inclusive, o próprio Jair, vítimas do sufoco do calor. Além do mal cheiro de vômito tinha um curumim com a “barriga quebrada” e que estava soltando uns “esturpor” por demais já fede. Gilvan Mendes teve a ideia de voltar pela boca da cobra. Nesse momento todos estavam muitos melecados de suor devido o calor no diminuto espaço. Quando os meninos começaram a aparecer e descer quase que cuspidos pela boca da cobra, o saudoso Paulinho Faria, prontamente justificou o feito:
Senhores e Senhoras, vejam, olhem, vejam, espiem a cobra grande está regurgitando os meninos como forma de se defender de algum perigo.
Na verdade, os anfíbios quando se sentem ameaçados, vomitam a embiara = a presa. De forma que, de bucho vazio fica mais fácil se defender ou escapar. A esse fenômeno a biologia chama de regurgitação.
E o Garantido saiu do Tabladão com ares de campeã, (como se confirmou no dia seguinte) pois, mais uma vez, a cobra grande do Jair tinha feito o diferencial e contribuído para a vitória do “boi da Baixa”.
João Melo Farias
Ixé Tupinambarana