Nos idos de 2010, me encontrava na cidade Foz de Jutaí, Amazonas, em trabalho e, subindo e descendo as escadas de mais de cem degraus que ligam o calçamento da cidade ao rio Solimões, sofri uma entorse no tornozelo esquerdo, que me obrigou a andar capengando.
Meu sogro, Mundinho Campos, muito solícito, chamou um famoso pegador de ossos, chamado Jerônimo de Jesus, que residia nas cabeceiras do rio Içapó.
Seo Jerónimo era um homem negro de dois metros de altura, de boa compleição física apesar dos seus 60 anos de idade. Tinha todos os dentes muito brancos na boca e possuía a fama de namorador; vestia-se todo de branco, de tergal vincado, em homenagem ao poeta Thiago de Mello, pela admiração de suas poesias. Era um boa praça, solteirão e exímio dançarino, grande pegador de desmentiduras, com as mãos; e, mal-olhado, quebranto e rasgaduras com as rezas.
Quando Seo Jerônimo chegou em casa, meu sogro alegre por natureza, apresentou-me sorrindo, dizendo:
- Jerônimo, esse cabra não acredita em puxação de ossos, quebranto, quizira (quizília). Mostra para ele tua arte, o quê você sabe fazer.
Seo Jerônimo cutucou: - Então não tem conserto. Eu só conserto quem tem fé.
Eu entrei na conversa: - Eu posso não ter a fé igual a de vocês, mas eu tenho minha fé, muito própria, minha e ninguém tira. Agora, acho que quem vive no interior tem uma fé maior, e deve ter mesmo, pela vida na natureza, portanto, muito mais próxima de Deus, que, quem mora na cidade grande.
Seo Jerônimo, retrucou: - Vamos ver essa fé na hora que eu rezar. Se você tiver fé vai ficar curado, se não tiver, teu pé vai esculhambar mais ainda.
Sem medo do pior, entreguei meu tornozelo ao Seo Jerônimo. Ele com sebo de holanda e cânfora começou a fazer a fricção com as mãos.
Conversa vai, conversa vem, no meio da puxação, meu sogro pegando um copo de cachaça ofereceu ao Seo Jerônimo, que não aceitou, dizendo:
- Mundinho, quanto estou em trabalho espiritual, não contrario as entidades curadoras que agem pelas minhas mãos, rezas e orações. Muito obrigado.
Mundinho Campos não satisfeito e puxando conversa, disse: - Conta então aquele caso do destroncamento do teu joelho com a fêmea!
Seo Jerônimo, desconcertou-se com o pedido, respondeu: - Mas Raimundo essa coisa é imoral e eu não conheço o rapaz para ficar contando minha vida amorosa assim na cara dura.
- Jerônimo, deixa de firula, tu já contaste para metade de Jutaí esse caso e agora, só por que o rapaz não é daqui não queres contar. E outra coisa, tu sempre conta um causo engraçado quando fazes puxação. O quê precisa para contares essa história. Reclamou Mundinho.
Jerônimo, meio a contra gosto virou pro Mundinho, parou com a puxação e disse: - Mundinho, você sabe que eu não cobro a desmintidura ou a reza; agora meus causos de amor, vou começar a cobrar pela primeira vez …
Eu disse: – Quanto Seo Jerônimo?
Ele respondeu: - Três cervejas geladas após eu colocar o mondrongo do teu pé no lugar. É apenas um ossinho que saiu e vou colocar na posição correta em um minuto.
De repente ele parou de puxar o meu pé e disse: - Pronto, cadê as cervejas?
Mundinho, chamou um mototáxi que passava e pediu para ele ir buscar as cervejas, no bar do Seo Caneca, que chegaram num piscar de olhos.
Seo Jerônimo abriu a primeira garrafa (meu sogro mandou vir seis) e esgoelou-se de uma vez só com meia garrafa de 600 ml. Depois com um largo sorriso branco, exclamou:
- Esse mundo, vasto mundo é tudo do Mundinho! E Mundinho é um cara muito pai d’égua, mão boa, por isso o considero muito e tudo que ele me pede, se estiver ao meu alcance, eu faço. Vou contar para você (se dirigindo para mim) uma triste história de amor, que aconteceu comigo dois anos atrás aqui na Foz de Jutaí.
Seo moço eu gosto muito é de fêmea (fechando os olhos e mordendo os beiços). Eu tinha uma vizinha muito bonita, que eu desejava muito namorar, tinha um tesão doído por ela. Ela era morena, nova, cabelo liso, pernuda, ancuda, peituda, dentes bonitos, tudo de bom que um homem deseja numa mulher. Mas ela sempre me evitou. Um dia recebi um dinheirinho bom, que deu para fazer umas presepadas. Com o dinheiro no bolso, fiquei na porta de casa esperando ela passar. Eu sabia a hora que ela saia e voltava. Quando ela apareceu, toda divinal, parecia uma deusa africana. Passou e não me olhou. Eu, com muita calma, comecei a fungar o ar e torcer o beiço para cima dando um sonoro suspiro fundo. Ela ouviu a minha marmota e gritou:
- O quê é isso seu velho filho de uma porca?
Sem perder a calma, disse-lhe: - Farejando cheiro de anta nova no cio. Meu faro não falha, você está carente. Carente de tudo, de amor, de carinho, de um homem que a faça feliz.
Ela respondeu:
Seo Jerônimo, o senhor está bem da cabeça? O senhor sabe que não tenho marido e que faço um pouco de tudo para pagar as minhas continhas no fim do mês. - Eu sei meu bem, mas não me importo. Sou um homem velho, largado, solteiro, sozinho no mundo e se eu tiver a sorte de ter uma mulher como você, serei o homem mais feliz do mundo.
- Seo Jerônimo, o senhor me comove. Mas preciso pagar uma conta e não tenho condições. Se o senhor me ajudar, vai rolar. Mas o senhor é um homem velho e tenho medo que não aguente o tranco.
- Que é isso minha filha! Sou pai de santo, curado e sarado para não falhar na hora H e tenho certeza que você vai gostar e pedir repeteco.
- Vamos ver. Disse ela.
Eu respondi: - Vamos. E quanto vai me custar?
- Uma onça.
Naquela época R$ 50,00 (cinquenta reais) era uma quantia considerável. Mas não vacilei: - Na hora, com todo amor e carinho!
Ele retrucou: – Agora? - Sim, agora meu bem. Pode entrar.
Ela entrou e eu pedi que se banhasse, perfumasse e fosse me esperar deitada na cama. Minha cama consistia apenas de um colchão deitado do chão sobre um tupé indígena.
O problema foi que, meu joelho direito sofreu um acidente com terçado quando eu era jovem. O rótulo (a patela) rachou ao meio e nunca me preocupei em ir a um ortopedista para cuidar do joelho. E eu não consigo me agachar. Mas como a fêmea estava deitada, nua, em cima da cama, na minha casa e eu, morto de desejo em possui-lá esqueci totalmente desse detalhe. Quanto vi a fêmea, meu corpo fremeu, virei um curumim afoito e corri para cima da boia. Mas quando fui me agachar para deitar em cima dela, meu joelho destroncou e eu despenquei para o lado direito. Uma dor de lascar, de fazer chorar caiu em mim.
A moça me viu desmoronar igual a um pato quando termina de fazer amor. Eu estava com tanta dor, com a patela fora do lugar e não conseguia andar. O tesão vazou. Eu queria me levantar, mas não conseguia. Ela perguntou:
- O senhor está tendo uma pilora? Seo Jerônimo o senhor nem começou e já está passando mal, morrendo. Eu falei que o senhor não ia aguentar.
- Minha filha, vá a cozinha por favor e trás um pote de sebo canforado que está em cima da mesa.
Ela foi e trouxe o pote, me entregou e falou: - Seo Jerônimo, o senhor não me usou, mas está me devendo 50 paus.
Eu falei para ela: - Deixa eu colocar o meu joelho no lugar que vou te pagar.
Depois de ajeitar o joelho, sentei-me na beira da cama e pedi a ela: - Traga minha calça.
Meti a mão no bolso da calça, tirei da carteira 50 reais entreguei a ela e pedi: - Por favor não conta para ninguém esse meu vexame.
Ela, realmente, nunca contou. Hoje ela é minha mulher e quem conta essa história sou eu.
Pronto! Contei tudo!
João Melo Farias
Ixé Tupinambarana
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