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Lourenço Braga
ESQUISITICES II

Por: Lourenço Braga

Advogado, professor, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), ex-secretário de educação e ex-reitor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

A magia da ilha

Ação

Assisti, no último final de semana – mercê da beleza dos modernos recursos audiovisuais que nos permitem acesso franco, pleno e atual à realidade por mais distante que esteja fisicamente – à belíssima festa com que o povo de Parintins, ilha Tupinambarana, presenteia o mundo, sob as bençãos de Nossa Senhora do Carmo, brincando de boi-bumbá nos dias finais de junho, com as maravilhas do folclore de povos originários, de nossos ancestrais, levando para o Bumbódromo, palco do espetáculo, a arte incomparável de quantos dedicam grande parte de suas vidas à criação do belo, vista-se ele da cor azul ou de vermelho.

É indescritível a emoção, o encantamento que se contém em cada toada, em cada alegoria, no rufar de cada tambor que se mistura a outros instrumentos responsáveis pela manutenção da harmonia, com marujos e batuqueiros fazendo chegar ao ar do planeta sons maviosos que embalam sonhos em verdadeiras óperas desenvolvidas a céu aberto com maestria e precisão de movimentos cadenciados e rigorosamente ensaiados.


Para cada destaque uma composição nova, entoada pelo levantador, cantor exímio, pelo apresentador ou pelo amo do boi, e as indumentárias ali exibidas decorrem de criação cada vez mais aprimorada de artistas do desenho, da imagem, da combinação de cores dos tecidos e dos complementos cuidadosamente escolhidos para quantos se permitem o dever de defender sua agremiação perante jurados sempre muito exigentes e competentes, vivendo verdadeiramente em cada uma das três noites de apresentações que se não repetem a magia de mostrar a arte, contribuindo para que ela própria se faça capaz de encantar e de convencer.

É como se em cada um se dê a própria luz da vida, seja com a força que deve demonstrar o pajé, em movimentos cadenciados que replicam com rigor absoluto os de tradição dos irmãos indígenas, seja pela graça pueril da sinhazinha, herdeira da fazenda que é sede da ópera, pela graça da rainha do folclore, que esbanja alegria exibindo o estandarte com gestos que se misturam ao amor com que canta e dança, seja pela cunhã-poranga, incumbida de destacar, com carinho e graça, a beleza da mulher indígena que ela própria exalta.

O apresentador tem a árdua missão de dar início aos trabalhos de mostra do quanto fará, ao longo de duas horas e meia de magia, o grupo folclórico a que pertence, mas vai muito além, incumbindo-se de criar, desde o início, e de manter em alta por todo o tempo, a empolgação da plateia e, principalmente, a participação dos torcedores que, contados a centenas, também compõem, com rigor, dedicação e festa, a beleza do espetáculo. É ele quem anuncia um a um dos atores que se vão apresentar em destaque na arena cuidadosamente ornamentada, mas que não se limita a mera indicação de personagens, senão que se obriga a promover o envolvimento de todos com cada mostra da arte de dançar e da arte de cantar.

O amo do boi representa o dono da fazenda onde se faz a festa e a ele cabe – ornado por vestimenta rica em lantejoulas, penas e outros complementos que também fazem parte do chapéu vistoso e artisticamente construído – contribuir com o apresentador na animação do público e, por tradição, lançar desafios ao que lhe é igual na agremiação contrária, oportunidades em que a poesia floresce para agradar e, via de regra, para agravar. São momentos únicos e os desafios se fazem verberados por espectadores partícipes da festa.

Há vaqueiros que também desfilam belíssimos chapéus e que, no íntimo da lenda original, são convocados a contribuir para o ressuscitamento do boi vítima de pai Francisco que o teria matado para retirar-lhe a língua, por exigência que lhe fez a grávida Catirina, sua mulher. Com a vaqueirada, também participam do ritual de devolução da vida curandeiros convocados pelo dono do animal, que o amo representa.

Os índios, os caciques, como as índias e as cacicas, apresentam-se ornados por vestimentas típicas das tribos que ali representam, rica e cuidadosamente desenhadas por magos dos pincéis, dos lápis e das cores e produzidas pelas mãos abençoadas de incomparáveis artistas da tesoura, da costura e do bordado, muitos que receberam a arte como herança de seus antepassados, humildes e tomados de simplicidade, ou formados por contribuição inestimável do centro cultural Cláudio Santoro que Robério, quando Secretário de Cultura do Estado, ali instalou, com o entusiasmo e incondicional apoio do governador Omar Aziz, e que já deve ter formado mais de vinte mil músicos, artesãos, costureiros, bordadeiras e tantos outros hoje profissionais da arte.

Não é possível a este simples mortal descrever com a exatidão merecida e por mim desejada a beleza do que se dá no Festival. Rendo-me, solenemente, à indescritibilidade do quanto de fascínio ali acontece em três noites de encontro com a alegria e a criação.

Parintins é um esbanjamento de arte!

Na arquibancada, em lugares disputados e reservados desde o começo do dia de cada festa, a galera, símbolo de paixão e de entrega que dá cor ao espaço vermelho, como ao ambiente azul, e que participa ativamente, com entusiasmo invulgar, pura demonstração de amor, de todas as fases do programa de apresentação de seu boi, o do coração ou o da estrela. Sob o comando competente do apresentador, acompanhando o levantador de toadas ou vibrando com os desafios cantados pelo amo, esses também artistas cantam, dançam, pulam, gritam, vibram em coros que se substituem e seguem exibindo beleza que nenhuma expressão linguística é capaz de traduzir. Enquanto o Garantido está na arena a festa é da arquibancada vermelha, mantendo-se silentes os azuis, e vice-versa durante a apresentação do Caprichoso, pena de perda de pontos na computação final da disputa. É espetáculo em si mesmo, com luz própria.

Sou da nação vermelha, que este ano levou para a pista de dança a defesa da igualdade entre os viventes, belo grito de liberdade, mas obrigo-me, nestas linhas finais, a afirmar que nada há em tanta beleza que aqui destaquei que autorize o profundo desrespeito, para dizer o mínimo, a que se entregou minha organização folclórica ao levar para o palco imitações grosseiras da bandeira nacional, instituída logo após a Proclamação da República, nos idos de 1889, e que se constitui em um dos símbolos do Brasil, ao dizer da regra do artigo 13, § 1º da Constituição, tendo sua composição definida em lei federal, regularmente aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo chefe do Executivo, inclusive estabelecendo o significado de cada uma das cores que a compõem (o verde, a mata, a floresta; o amarelo, o ouro, a riqueza; o azul, o céu, o mar; o branco, a paz) e a forma de distribuição das estrelas que representam os estados e o distrito federal. Não há vermelho no pavilhão da Pátria legalmente instituído. Imperdoável!

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