Passados cem anos recuperamos os registros de imprensa da despedida de 1922 na cidade de Manaus, lugar ainda pacato, mas sofrendo a desolação da queda dos preços da borracha na pauta de exportações do País e atravessando o governo de César do Rego Monteiro com inúmeras dificuldades políticas, econômicas e sociais.
Grupos de pessoas e de empresas de considerável porte se organizaram para prestar solidariedade a pessoas em situação de vulnerabilidade social, conforme a expressão de agora. Tíquetes de passagem de bonde eram trocados por alimentos ofertados pelo Dispensário Maçônico, Padaria Francfort e representação da Nestlé, dentre outros, enquanto a Casa Dr. Fajardo realizava pequena festa e distribuía brinquedos para as crianças enfermas e a polícia visitava domicílios em busca de debelar focos de mosquitos e distribuir quinino para pouco mais de 600 pessoas infectadas. Para qualquer eventualidade, o plantão era das farmácias “Lopes” e “Popular”.
A elite local se preparava para o baile a rigor na sede do imponente Ideal Clube já instalado no alto da Av. Eduardo Ribeiro desde 1921, em uma “grande soirée dançante” para festejar o Ano Novo. No cine Polytheama a exibição do filme de aventura “O grito da sombra”, no Odeon, o drama “O grande momento” e no Alcazar “a monumental fita – Política -, em sete longas partes”.
Para alegria da população, havia a retreta da Banda de Música do Batalhão de Caçadores, regida pelo primeiro sargento José Arnaud, com marcha, revista, tanguinho e tango. No bairro de São Raimundo, a distante periferia da época, davam-se as apresentações das pastorinhas “Filhas da Palestina”, com rainha, mestra, contramestra e estrela, fazendo sucesso. No Parque Amazonense era realizado um torneio de esportes com o último jogo do ano entre as equipes do Rio Negro e São Raimundo, envolvendo os atletas mais famosos de então. Depois, corrida de bicicleta com vários páreos e diversos e renomados ciclistas. Em seguida, completando a festa, corrida de cavalo com os melhores cavaleiros e animais, tudo isso com vários padrinhos de renome que integravam a “melhor sociedade de Manaus”.
No mesmo sentido, de lazer e entretenimento, o Museu Rondon, organizado por Criantho Jobim e depois vendido ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, abria suas portas para visitação gratuita, na Rua Saldanha Marinho com a Joaquim Sarmento.
Os exames para estudantes das escolas públicas estaduais eram concluídos. Aprovações, distinções, reprovações e notas sofríveis eram publicadas nome a nome na primeira página dos jornais, juntamente com o anúncio dos cartões de “boas festas” recebidos pelos diretores desses veículos e a informação dos telegramas recolhidos para que os interessados fossem buscar nos escritórios da empresa.
Prevalecendo a religião católica de forma esmagadora entre a população manauense, as missas eram realizadas nas igrejas da Beneficente Portuguesa, de São Sebastião, do Instituto Benjamin Constant e dos Remédios, rotineiramente, sem que tenha havido qualquer maior alusão especial ao desfecho do ano.
Pela manhã o clima era de sol, mas logo depois mudou, rapidamente, com atmosfera ficando carregadíssima e “choveu a cântaros durante todo o resto do dia”, e, sem qualquer surpresa para os jornalistas de plantão que se encarregavam de tais descrições, “de noite a lua mostrava-se cheia d´água”.
Experimentando a despedida de 2022, vale olhar o passado e constatar a evolução dos costumes, a forma de atuação e a linguagem utilizada pela imprensa, os temas que ocupam os meios de comunicação e as angústias de nossa gente ao lado dos votos de muita esperança de grandes realizações no ano que vai chegar, que haja pão em todas as mesas e amor nos corações, esperando que a luz surja, cheia de brilho e graça trazendo bençãos e iluminando nosso povo e nossa terra.
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